Condutor e a segurança rodoviária
1. INTRODUÇÃO:
O sistema rodoviário envolve uma grande complexidade. Para que seja possível realizar a tarefa de condução de forma segura, o condutor assume um papel decisivo pois é o único elemento que tem a capacidade de pensar, fazendo uso das suas competências e capacidades funcionais. Nesta relação existem vários factores que condicionam a ação do condutor contudo, este é tão só, a face visível de uma série de problemas que o sistema contém. Mesmo assim, este elemento, é o que oferece maior fiabilidade na relação do sistema rodoviário pois, é o único com capacidade para gerir os confrangimentos do sistema, para adaptar o seu comportamento e até mesmo criar novos procedimentos.
Apesar de se afirmar que a inteligência concreta de conduzir, não é mais do que logro das experiencias vividas ao longo da vida do condutor, é preciso não esquecer que estes recursos são limitados desde logo, condicionados pelos mecanismos de atenção, percepção, fatores somáticos transitoriáis, fatores somáticos permanentes e por último factores psíquicos. O sistema rodoviário (veículo, via e factores atmosféricos), criam ao condutor uma série de exigências que este, a cada momento, tem de avaliar e decidir. Se por qualquer motivo, o nível de exigência do sistema supera o nível de exigência do condutor, nesse momento, passamos a incrementar níveis de risco incomportáveis para a segurança rodoviária, podendo mesmo culminar em desastre. 2. FACTORES QUE CONDICIONAM A ACÇÃO DO CONDUTOR:
2.1 FACTORES SOMÁTICOS TRANSITORIÁIS:
Neste ponto, iremos centrar a análise em três áreas, os psicotrópicos, o álcool e os medicamentos.
-As substâncias psicotrópicas:
Estas substâncias, afectam alguns elementos da personalidade, que são necessários ao exercício da condução. Nomeadamente, retarda o tempo de reação, provoca euforia e excitação ou deprime o condutor. Estes efeitos, são geralmente muito prolongados, o que pode levar à perca de controlo do condutor.
-O álcool:
O álcool, mesmo em pequenas quantidades, deteriora a capacidade de um condutor para resolver os problemas da estrada e da circulação. As pessoas que se encontrem sob a sua influência estão mais propensas a sofrer acidentes que as outras. Algumas pessoas são mais facilmente afectadas que outras com a ingestão da mesma quantidade de álcool e a mesma pessoa não é afectada do mesmo modo em diferentes momentos; no primeiro caso deve-se à capacidade de alguns para absorver o álcool mais lentamente; no segundo deve-se à quantidade de alimentos ingeridos, ao estado físico geral ou a outros factores. O álcool afecta as emoções e as atitudes superficiais. Reduz a capacidade de tomar as decisões adequadas, de vislumbrar as situações perigosas e de tomar os cuidados normais. Refletem-se os sentimentos, as pessoas contêm-se menos, e inicialmente parecem estar alegres, mas logo ficam deprimidas. Contudo, muitas pessoas têm a faculdade de tolerar melhor o álcool e não revelam sinais de intoxicação até um grau bastante elevado. O tempo de reação aumenta depois da Ingestão das primeiras duas ou três bebidas e a partir daqui os efeitos são incrementados. Um condutor atinge a TAS máxima cerca de 1 hora, após a ingestão do último copo. O processo de eliminação do álcool no organismo é realizado pelo fígado, pelo ar expirado, pela urina e pela transpiração, sendo lento, reduzindo em média 0,14 g/l por hora. Assim, um indivíduo que tenha atingido uma TAS de 2,00 g/l à meia-noite, só por volta das 14 horas do dia seguinte é que terá eliminado completamente o álcool no seu sangue, apresentando, ainda, às 9 horas da manhã, uma taxa superior a 0,80 g/l, em circunstâncias médias e normais, ou seja um valor que constitui uma contra-ordenação muito grave, perante o código da estrada. Este processo de eliminação não pode ser tornado mais rápido por nenhum meio, assim como não é possível eliminar os efeitos que o álcool produz no indivíduo. Existem, contudo, substâncias e factores que perturbam essa eliminação, nomeadamente atrasando as funções normais do fígado, ou potenciando o seu efeito nocivo como, por exemplo, o café, o chá, o tabaco, certos medicamentos e a fadiga. A percepção e a reação, são duas capacidades psíquicas que mais influenciadas são pelo álcool e que mais importância têm para a segurança rodoviária (ver Ponto 2.3) .
Podemos calcular a taxa de alcoolemia no sangue por indivíduo e por tipo e quantidade de bebida ingerida, aplicando a seguinte fórmula de Hidmark, em que os valores são aproximados e meramente orientativos:
Homem: TAS em g/l = g de álcool de B/Px0,75
Mulher: TAS em g/l= g de álcool de B/Px0,60
Em que:
( g) é quantidade de álcool existente na bebida.
(B) é o tipo de Bebida.
(P) é o peso do indivíduo em kg.
(B) BEBIDA LITROS QUANTIDADE
ÁLCOOL (g) Cerveja 0,50 20 g
ÁLCOOL (g) Vinho branco 0,25 25 g
ÁLCOOL (g) Vinho tinto 0,25 30 g
ÁLCOOL (g) Brandy, whyskie 0,10 40 g
ÁLCOOL (g) Aguardentes 0,10 45 g
Cocktails Somar as quantidades de cada tipo de bebida utilizada.
-Medicamentos:
No que respeita aos medicamentos, existe ainda uma forte negligencia na toma destes fármacos quando se conduz. Alguns destes fármacos alteram o sistema nervoso central, pelo que sua toma quando se conduz, deve ser sempre autorizada pelo médico.
Entre alguns dos tipos de medicamentos que afectam o sistema nervos central do condutor, encontram-se:
Os tranquilizantes, que aumentam o tempo de reação do condutor e provocam sonolência.
Os Anti-histamínicos, que provocam cansaço.
Os Barbitúricos, que diminuem a atenção e a provocam sonolência.
Os analgésicos, que provocam enjoos e desconcentração.
Os psico-fármacos, que provocam sono, apatia e cansaço.
Todos estes e outros fármacos,
2.2 FACTORES SOMÁTICOS PERMANENTES:
Este ponto iremos centrar a análise em três pontos, deficiência motora, deficiência acústica e deficiência óptica.
Deficiência óptica:
A captação de informação está também dependente do tempo mínimo que os órgãos necessitam para distinguir as diferentes ações. em termos médios esses tempos são de 1/16 seg. para a visão e de 1/20 seg. para a audição e para 1/5 seg. para a reação de sustos e choques. visão só é possível por que o ser humano possui um órgão capaz de captar informação de natureza visual. O olho humano funciona de forma idêntica a uma máquina fotográfica, uma vez que tem uma lente que orienta a passagem da luz (cristalino), uma abertura que controla a passagem da quantidade de luz que entra (A pupila) e uma superfície sensível à luz que grava as imagens (Retina). Mesmo com esta complexidade, o olho humano não consegue captar todos os estímulos provenientes do meio rodoviário com a mesma qualidade em toda a extensão. Quando o condutor orienta o olhar para determinado local, só uma pequena parte dessa imagem apresenta um grande detalhe e nitidez. Essa área é a zona central do campo visual. Quando um condutor foca a imagem num veiculo, essa imagem é reflectida na zona da retina, levando o condutor a interpretar com mais nitidez essa imagem. Posteriormente essa informação é transportada ao cérebro para processamento e conterá todos os detalhes possíveis de serem captados. Nas zonas adjacentes à zona central do campo visual, a focagem das imagens não é tão nítida, mas contém muita informação útil para o condutor. Assim a visão periférica permite ao condutor aperceber-se de movimento de veículo e peões a circular no passeio ou a tentar o atravessamento de uma via ou passadeira. Desta forma, o condutor pode direcionar o campo visual para o local de onde provem o movimento e assim focar nitidamente a imagem pretendida. Este campo visual periférico é considerado como o sistema de alerta para eventuais perigos. Muitas vezes temos a noção de que a velocidade influi na visibilidade. O que de alguma forma é verdade, contudo só influir na visibilidade periférica, pois quanto maior é a velocidade, menor é o campo visual. Conforme se verifica através do gráfico, o campo visual varia de 100% para a velocidade de 40 km/h, para 33% para a velocidade de 100 km/h. No que respeita a deficiências crónicas ou não, relacionadas com visão estas, podem diminuir a capacidade perceptiva e consequentemente decisória do condutor.
Por exemplo o astigmatismo altera a visualização dos objetos, quer ao perto, quer ao longe. Dificulta a visualização da sinalização, criando confusão entre as letras R e B, D e O, M e H.
A miopia é um distúrbio visual que dificulta a focagem dos objetos ao longe, o que dificulta a condução sem uso de óculos ou lentes de contacto, pois pode criar confusão acerca das distâncias.
A hipermetropia, dificulta a focalização de objetos ao perto, o que pode provocar dificuldades a bordo veículo e criar dores de cabeça e náuseas.
Existem ainda outras disfunções visuais não de menor importância, tais como, o daltonismo e a discromatopsia, que dificultam a identificação de algumas cores, com consequências para a identificação de sinalização vertical e luminosa.
Nalguns países a monocular é impeditiva de condução de veículo, pois não permite avaliar as distâncias ou a tridimensionalidade dos objetos.
2.3 FACTORES PSIQUICOS:
Neste ponto iremos centrar a análise em quatro áreas, a atenção, a percepção, o cansaço e o sono.
A atenção:
A atenção no âmbito rodoviário, exige dois tipos de atenção, a atenção concreta e a atenção difusa.
A Primeira está relacionada com os detalhes próximos do condutor, a segunda o está relacionada com a avaliação que o condutor faz de todo o ambiente rodoviário. Por isso é muito importante que o condutor direcione a atenção concreta para o que realmente é importante para a condução, nomeadamente o trânsito e a sinalização, pois só assim pode fazer uma correta avaliação de todo o ambiente e tomar as decisões mais acertadas. No entanto, existem inúmeros factores de distração, quer no interior do veículo quer no exterior, que podem polarizar a atenção do condutor, tais como o telemóvel a tocar, o bebé a chorar na cadeirinha, o cair de uma ponta de cigarro, um painel publicitário, enfim um sem número de estímulos que invadem o cérebro do condutor. Porém cabe-lhe a este focalizar a atenção no exercício da condução, pois como já foi anteriormente dito, o ser humano só pode processar entre 6 a 11 estímulos de fontes diferentes.
No caso dos condutores com pouca experiencia de condução, mais exigente se torna essa focalização, pois um condutor experiente por exemplo não necessita olhar para a caixa de velocidades para engrenar uma velocidade, avalia melhor o ambiente rodoviário, ao contrário deste condutor que por falta de prática, necessita de ocupar mais estímulos com tarefas que normalmente são considerados micro procedimentos (procedimentos automáticos).
Os aspectos mais importantes da atenção são a atividade, amplitude, a seletividade e a organização e direção:
No que respeita à atividade, a atenção requer um elevado fluxo de energia, pelo que o condutor tem estar em boas condições físicas, para manter a atenção. Um condutor influenciado pelo álcool, psicotrópicos, fármacos, sono ou cansaço, sofre uma drástica diminuição da atenção, pondo em risco a sua via e a terceiros.
No que respeita à Amplitude, como já foi dito, o cérebro humano é limitado no que respeita à atividade sensorial, no entanto deve canalizar toda essa informação para a atividade da condução, deixando de parte os estímulos que nada têm a ver com esta atividade. Só assim pode exercer a condução de forma segura.
No que respeita à seletividade, Como já foi dito o condutor deve canalizar toda a atenção para exercício da condução, deixando de parte os restantes.
Quanto à organização e direção, Depois de selecionados os estímulos importantes para a condução, o condutor de organiza-los e canaliza-los para o objectivo a que se propõe.
A percepção:
A capacidade perceptiva, permite ao condutor avaliar e interagir a cada momento com a envolvência rodoviária, desde o movimento de veículos e peões, a sinalização e outros estímulos provenientes deste complexo meio. A tarefa de condução desenvolve-se em três níveis de operações:
Decisões de navegação – Esta operação consiste no planeamento e execução do percurso.
A Pilotagem – Esta operação engloba o conjunto de tarefas necessárias ao domínio do veículo e a sua interação com o meio rodoviário (ultrapassagens, estacionamento, passagem num cruzamento etc…)
Controle do veículo ou Micro procedimentos – Esta operação consiste em realizar manobras de manutenção da trajetória do veículo, da regulação da velocidade, da colocação de mudanças, de pressionar da embraiagem etc…
A cada momento o condutor realiza de forma continuada uma série de procedimentos e micro procedimentos, que lhe permitem interagir com o meio rodoviário. A informação recolhida pelo condutor é analisada, de forma que este decida a cada instante a ação a tomar.
Este processo é composto por quatro fases:
A observação, a avaliação, a decisão e a ação.
Na fase de observação, a capacidade que um condutor possui para processar informação é obviamente limitada e só pode processar entre 6 a 11 estímulos de fontes diferentes, dependendo do seu estado psíquico e físico. O condutor recolhe a informação do meio rodoviário, recorrendo aos sentidos, a visão, e a audição. Sendo todos os sentidos importantes, mesmo o tacto e o olfacto são importantes para outras tarefas. Por exemplo, como todos bem sabemos, a condução descalço origina a perca de sensibilidade quer no travão, quer na embraiagem ou acelerador. Existem também outros sentidos ajudam o condutor a posicionar-se e ter noção da realidade que o rodeia, esses sentidos são os sentidos sinestésicos e vestibular.
Depois da fase de observação, vem a fase de avaliação. Nesta fase o condutor, segundo a sua experiencia, conhecimentos e perícia, avalia qual a manobra, que para o caso concreto, deve executar.
O tempo que media a percepção do perigou, situação imprevista ou obstáculo e a execução da manobra, varia entre os 0,75 s e até próximo dos 2 segundos, consoante o condutor se encontre ou não em condições psíquicas e físicas normais. Existem também situações mais complexas, que envolvem um maior tempo de decisão, tais como a avaliação de uma ultrapassagem em via estreita, o iniciar a marcha num cruzamento etc. (95% das manobras de ultrapassagem demora entre 2 a 15 segundos a concluir).
-O cansaço:
O cansaço pode provocar sintomas idênticos ao da intoxicação, tais como excitação momentânea, faculdades físicas diminuídas, persistência elevada, alucinações, visão desfocada e redução do campo visual periférico. Existem três tipos de fadiga a ter em conta, a fadiga ativa (força muscular e toda a atenção que o trabalho implica), a passiva (Fadiga dos músculos que o condutor está sujeito durante as várias mudanças de posição no exercício da condução) e a acumulada (iniciar uma tarefa sem ter repousado o suficiente).
Neste âmbito entende-se que um condutor não deve conduzir mais de oito horas por dia e que deve efetuar pausas de pelo menos 15 minutos em cada duas a três horas de condução.
Não existindo nenhum aparelho medidor de cansaço, existe uma falsa sensação de segurança por parte dos condutores, desvalorizando este factor, que em grande parte é responsável por inúmeros acidentes rodoviários.
O sono:
O sono apresenta os mesmos efeitos do álcool, sendo que pode ainda revelar-se mais perigoso, por duas questões: Desde logo, por se considerar que conduzir com sono não consubstancia nenhuma infração rodoviária. Contudo desenganem-se, pois se se provar que o acidente ocorreu devido a cansaço excessivo (sono, por consequência), podemos estar perante um crime tipicamente rodoviário (condução perigosa de veículo rodoviário).
Por outro lado, quem de nós não conduziu já durante a noite e com a sensação que estava com sono mas que ainda aguantava um pouco mais. No entanto quendo se deu conta e parecendo que estava com os olhos abertos, o cérebro entrou em relaxamento e não processa a informação com a mesma frequência. A este apagamento momentâneo da realidade é dado o nome de micro sono e que é o responsável por uma grande maioria dos acidentes ocorridos nas nossas estradas. Existem determinadas técnicas de analise que permitem incluir este fator como causa do acidente.
2.4 EXPERIENCIA NA CONDUÇÃO:
No que respeita à experiencia de condução, este pode ter as duas faces da moeda.
Por um lado trás a mais-valia de todos os conhecimentos adquiridos ao longo da vida do condutor e adapta-los a um caso concreto, por outro lado causa menos cansaço no exercício da condução, pois este condutor executa procedimentos mecanizados, que um condutor menos experiente teria de atentar ou pensar para os executar. Porém, um condutor que se considera experiente e que é o melhor condutor do mundo, cria um excesso de relaxamento por se considerar que se é experiente, podendo levar a cometer erros que se prendem com aumentos dos tempos de reação em situações de perigo ou risco iminente. Vejamos o seguinte:
Qual de nós é que não conduziu em ato estrada, por exemplo com o cruise control e com os pés cruzados.
Qual de nós é que não conduziu descalço
Qual de nós é que não conduziu encostado á traseira do veículo da frente, para na próxima oportunidade executar uma ultrapassagem.
Por tudo isto, o condutor, sendo o principal ator do triângulo rodoviário e o único com capacidade de pensar e agir, está exposto a um nível de risco que se não tomar atitudes e comportamentos defensivos, pode aumentar os níveis de risco para valores incomportáveis para a sua e a segurança dos outros.
A Hipotética falha da localização da falha do sistema, no gráfico do Blumenthal, demonstra bem o grau de exigência a que o condutor a cada momento está sujeito.
Norberto Costa